Há alguns anos tenho o costume de ouvir Podcasts de entrevistas com os maiores nomes da fisioterapia, a maioria deles com mais de 20 anos de experiência profissional. Vários assuntos são discutidos, mas algumas perguntas são repetidas a cada episódio. Um exemplo é a seguinte pergunta: “se você pudesse dar um conselho a outros fisioterapeutas, qual seria?”. Sem dúvidas, a resposta que mais escutei foi: “Ouça o seu paciente”. Não à toa o próprio Robin McKenzie, eleito por muitos a pessoa mais importante da história da fisioterapia, escreveu no prefácio de sua biografia (Against the Tide, 2009):
Eu não poderia concordar mais. Quando um paciente chega até a clínica com uma queixa de dor ele está buscando por ajuda. Mas isso não significa que ele esteja terceirizando o problema e abrindo mão de fazer parte do seu processo de recuperação. Ao mesmo tempo que ele precisa das informações que o profissional da saúde adquiriu com anos de estudo e experiência, ele sabe muito sobre a sua própria dor. Afinal, ele já passou horas, dias ou até mesmo anos com ela.
Imagine possuir apenas algumas partes de um quebra-cabeça. Essas não serão suficientes para que identifiquemos qual a imagem a ser decifrada. Mas, juntando as “peças” que o profissional possui com as “peças” fornecidas pelo paciente, o quadro começa a ficar muito mais claro.
Formar uma imagem clara do quadro do paciente significa fazer um bom diagnóstico. Na minha opinião, isso não é possível com uma avaliação superficial em que o profissional comprova a sua hipótese após um exame incompleto.
Seria como ter uma apenas uma peça de um quebra-cabeça...
... E tentar acertar de qual desses quebra-cabeças abaixo essa peça faz parte:
Seria como o paciente me dizer que ele recebeu o diagnóstico patoanatômico de tendinopatia do supraespinal (ombro), baseada no exame de imagem. Essa é uma peça relevante, mas não necessariamente indica o que está causando o seu problema. Existem não só duas possibilidades, como no exemplo acima, mas vários outros possíveis mecanismos de dor, independentemente da alteração tecidual encontrada.
É comum receber uma ligação de uma pessoa com dúvidas sobre como funciona o meu tratamento. Sempre respondo que o primeiro passo seria fazermos uma avaliação fisioterapêutica para que possamos entender o problema e, com isso, identificarmos o melhor tratamento. Muitas vezes, o paciente relata que já passou por um profissional e que já recebeu um diagnóstico. Ele me questiona, legitimamente, a necessidade de mais uma avaliação.
O motivo é que não posso propor um tratamento baseado na avaliação de outro profissional, simplesmente porque, na maioria das vezes, nós vemos o paciente e sua queixa de formas diferentes. É praticamente impossível dois profissionais chegarem às mesmas conclusões 100% das vezes. Portanto, iniciar um tratamento sem fazer o seu próprio diagnóstico, seria privar o paciente do melhor atendimento que você pode dar a ele ou reconhecer que você não tem conhecimento o suficiente para ajudá-lo.
Um bom tratamento é resultado de uma boa avaliação. Um diagnóstico diferencial passa por uma exaustiva investigação. Vários testes e muita conversa são necessários para que se minimize as chances de erros e para que o paciente receba o melhor tratamento possível.
Veja na imagem abaixo alguns exemplos de peças importantes colhidas apenas na anamnese:
Existem exceções, é claro. Alguns casos como traumas ou pós-cirúrgicos não envolvem um raciocínio clínico complexo para identificarmos a causa do problema. Ela é clara e visível. É uma entorse de tornozelo ou uma fratura no úmero (osso do braço), por exemplo. Mas, ainda assim, a avaliação fisioterapêutica é o momento para que possamos entender seus objetivos com o tratamento, suas limitações físicas decorrentes da lesão ou o que te predispõe a uma nova lesão, suas preferências, suas dúvidas, etc. Mas, de uma forma geral, tenho certeza de uma coisa: o diagnóstico de um paciente com dor é na maioria das vezes como um quebra-cabeça de 10.000 peças. Transformá-lo em um de 5 peças pode até ser o caminho mais fácil, mas seria o correto?
Comments